Por José Cícero em 24/3/2009
Artigo publicado no Observatório da Imprensa
Entre muitos atributos, o Brasil é conhecido lá fora pela riqueza da sua historiografia musical. A MPB, enquanto estilo, é uma das nossas mais expressivas identidades a nos mostrar para o mundo. Algo que nos eleva e nos projeta muito além dos conceitos musical-artísticos das Américas e alhures.
A música, portanto, foi durante muito tempo um legítimo produto de exportação made in Brasil. Nosso cartão-postal, tal qual um considerável passaporte para nossa intervenção e inserção na cultura e na história mundial.
Porém, diante do atual quadro de descalabro em que se encontra o movimento cultural brasileiro – e, em especial, a rica musicalidade regional –, tudo o mais inspira preocupação e cuidados. Há, por assim dizer, um claro e vergonhoso estado de calamidade a se abater por sobre a nossa música popular, notadamente a de raiz.
Aquela que, por sinal, mais nos identificava com a nossa cultura cotidiana, história e outras manifestações significativas do nosso imaginário. A música, diante deste absoluto caldo de contradições culturais, representa apenas a ponta do iceberg. A crise de talento e de idéias também "infecciona" diversos outros estratos do fazer cultural brasileiro, sobretudo pela inexistência de uma política de governo mais agressiva, menos excludente e que também priorize o ambienta da escola e da periferia.
A perspectiva de futuro grandioso
Este descuido vai aos poucos se generalizando, ferindo de morte diversos outros setores da nossa máquina cultural. Isso porque quando a sociedade se acultura, todo o resto desmorona, se fragiliza, corre perigo. Para quem acredita ser a cultura a verdadeira identidade de um povo, do jeito que vamos (anestesiados pela indiferença), daqui a pouco não teremos quase mais nada para defender e nos preocuparmos.
É preciso conter todo este processo de substituição sistemática das nossas expressividades culturais. Por uma cultura alienígena, que não é nossa. Descomprometida com o belo e padronizada ante um modismo imbecil que só idiotiza nossa gente, especialmente a nossa bela juventude.
Vivemos, assim, uma realidade digna de envergonhar qualquer nação do globo que preze de verdade a sua identidade. O que estão fazendo com a nossa cultura musical (tradicional-regional) é um atentado contra a nossa inteligência. Um crime de lesa pátria para o qual todo brasileiro deveria se rebelar enquanto há tempo.
Um verdadeiro estupro cultural, algo inaceitável para uma nação que se diz pronta para ocupar uma posição hegemônica na América Latina, bem como no além-fronteiras. Cuidar bem da cultura é cuidar com carinho do presente e do futuro.
Uma nação que não valoriza e nem preserva a sua cultura não tem nenhuma perspectiva de futuro grandioso.
Um desserviço à juventude
Qualquer estrangeiro que vier ao Brasil logo pensará que a nossa música é essa que toca no rádio, nos domicílios, nos clubes, nas praças e na TV. Quase tudo o que se ouve, se curte e dança pelo país afora, no momento atual constitui-se num lixo, para não dizer outro nome.
Qualquer coisa, menos música... Coisa do tipo: pagode rasteiro, sertanejo choradeira e algo ainda pior – uma praga a se espalhar pelo Nordeste inteiro e por quase todos os quadrantes do Brasil: o forró descartável, descaracterizado, que de forró mesmo não tem nada.
O que as emissoras brasileiras estão fazendo (com raras exceções) é um típico "arrastão" anticultural. Uma conspiração em desfavor da nossa história musical que compromete seriamente todo o nosso velho sonho de futuro.
O que ora se toca nas nossas rádios é péssimo. Nada condizente com o potencial que possuímos nesta área. Como se deliberadamente subestimassem a inteligência, assim como a paciência da nação verde-amarela. As "bandas" de forró, como são chamadas, descaracterizam nossa música e até o próprio mercado fonográfico.
A pobreza é tanta que os próprios nomes destas "bandas" pecam mortalmente até na formulação dos seus títulos. Mais um atentado à gramática, à língua portuguesa, às idéias, à poesia, enfim, ao bom trato dos vocábulos poéticos.
As letras de tais composições são sofríveis. Puro mau gosto. Pura pobreza, desnudando, às nossas vistas, toda a miséria da nossa música miserável. Uma droga que só entorpece, deseduca e agride tanto a ética quanto a moral da nossa sociedade, diante de um típico show de besteirol. Inclusive pela baixaria, que também se expressa na obscenidade, palavras chulas, imorais, de baixo calão. Um desserviço prestado à juventude e à nação – e ainda por cima cobram por isso.
Passividade e indiferença
Penso que a música, como um patrimônio do Brasil, devia ser bem mais protegida, sobretudo pelo poder público. E não me digam que a culpa é do nosso povo. Porque isso não é verdade. O povo não tem culpa da educação que não recebe.
O povo só pode gostar daquilo que conhece e lhe é oferecido. E o que estão fazendo com nossa gente é uma verdadeira lavagem cerebral. Por que será que os europeus, os alemães, por exemplo, adoram tanto a música erudita? Ora, simples. Lá, a música começa como uma disciplina escolar. As emissoras (de rádio e TV) primam pela qualidade, do contrário perdem a audiência e até a concessão pública para operar.
Convenhamos: aqui no Brasil, se querem continuar nos oferecendo o que não presta, pelo menos permitam que as pessoas possam também ter o direito de experimentar o outro lado da moeda (ou do disco?) – ou seja, a música de qualidade e de raiz. Não deixem que a nossa fantástica MPB morra pela nossa passividade e indiferença.
Presumo que até Deus seja também uma energia musical. Viva a MPB! Abaixo o estelionato musical.
Fonte: Observatório da Imprensa
Artigo publicado no Observatório da Imprensa
Entre muitos atributos, o Brasil é conhecido lá fora pela riqueza da sua historiografia musical. A MPB, enquanto estilo, é uma das nossas mais expressivas identidades a nos mostrar para o mundo. Algo que nos eleva e nos projeta muito além dos conceitos musical-artísticos das Américas e alhures.
A música, portanto, foi durante muito tempo um legítimo produto de exportação made in Brasil. Nosso cartão-postal, tal qual um considerável passaporte para nossa intervenção e inserção na cultura e na história mundial.
Porém, diante do atual quadro de descalabro em que se encontra o movimento cultural brasileiro – e, em especial, a rica musicalidade regional –, tudo o mais inspira preocupação e cuidados. Há, por assim dizer, um claro e vergonhoso estado de calamidade a se abater por sobre a nossa música popular, notadamente a de raiz.
Aquela que, por sinal, mais nos identificava com a nossa cultura cotidiana, história e outras manifestações significativas do nosso imaginário. A música, diante deste absoluto caldo de contradições culturais, representa apenas a ponta do iceberg. A crise de talento e de idéias também "infecciona" diversos outros estratos do fazer cultural brasileiro, sobretudo pela inexistência de uma política de governo mais agressiva, menos excludente e que também priorize o ambienta da escola e da periferia.
A perspectiva de futuro grandioso
Este descuido vai aos poucos se generalizando, ferindo de morte diversos outros setores da nossa máquina cultural. Isso porque quando a sociedade se acultura, todo o resto desmorona, se fragiliza, corre perigo. Para quem acredita ser a cultura a verdadeira identidade de um povo, do jeito que vamos (anestesiados pela indiferença), daqui a pouco não teremos quase mais nada para defender e nos preocuparmos.
É preciso conter todo este processo de substituição sistemática das nossas expressividades culturais. Por uma cultura alienígena, que não é nossa. Descomprometida com o belo e padronizada ante um modismo imbecil que só idiotiza nossa gente, especialmente a nossa bela juventude.
Vivemos, assim, uma realidade digna de envergonhar qualquer nação do globo que preze de verdade a sua identidade. O que estão fazendo com a nossa cultura musical (tradicional-regional) é um atentado contra a nossa inteligência. Um crime de lesa pátria para o qual todo brasileiro deveria se rebelar enquanto há tempo.
Um verdadeiro estupro cultural, algo inaceitável para uma nação que se diz pronta para ocupar uma posição hegemônica na América Latina, bem como no além-fronteiras. Cuidar bem da cultura é cuidar com carinho do presente e do futuro.
Uma nação que não valoriza e nem preserva a sua cultura não tem nenhuma perspectiva de futuro grandioso.
Um desserviço à juventude
Qualquer estrangeiro que vier ao Brasil logo pensará que a nossa música é essa que toca no rádio, nos domicílios, nos clubes, nas praças e na TV. Quase tudo o que se ouve, se curte e dança pelo país afora, no momento atual constitui-se num lixo, para não dizer outro nome.
Qualquer coisa, menos música... Coisa do tipo: pagode rasteiro, sertanejo choradeira e algo ainda pior – uma praga a se espalhar pelo Nordeste inteiro e por quase todos os quadrantes do Brasil: o forró descartável, descaracterizado, que de forró mesmo não tem nada.
O que as emissoras brasileiras estão fazendo (com raras exceções) é um típico "arrastão" anticultural. Uma conspiração em desfavor da nossa história musical que compromete seriamente todo o nosso velho sonho de futuro.
O que ora se toca nas nossas rádios é péssimo. Nada condizente com o potencial que possuímos nesta área. Como se deliberadamente subestimassem a inteligência, assim como a paciência da nação verde-amarela. As "bandas" de forró, como são chamadas, descaracterizam nossa música e até o próprio mercado fonográfico.
A pobreza é tanta que os próprios nomes destas "bandas" pecam mortalmente até na formulação dos seus títulos. Mais um atentado à gramática, à língua portuguesa, às idéias, à poesia, enfim, ao bom trato dos vocábulos poéticos.
As letras de tais composições são sofríveis. Puro mau gosto. Pura pobreza, desnudando, às nossas vistas, toda a miséria da nossa música miserável. Uma droga que só entorpece, deseduca e agride tanto a ética quanto a moral da nossa sociedade, diante de um típico show de besteirol. Inclusive pela baixaria, que também se expressa na obscenidade, palavras chulas, imorais, de baixo calão. Um desserviço prestado à juventude e à nação – e ainda por cima cobram por isso.
Passividade e indiferença
Penso que a música, como um patrimônio do Brasil, devia ser bem mais protegida, sobretudo pelo poder público. E não me digam que a culpa é do nosso povo. Porque isso não é verdade. O povo não tem culpa da educação que não recebe.
O povo só pode gostar daquilo que conhece e lhe é oferecido. E o que estão fazendo com nossa gente é uma verdadeira lavagem cerebral. Por que será que os europeus, os alemães, por exemplo, adoram tanto a música erudita? Ora, simples. Lá, a música começa como uma disciplina escolar. As emissoras (de rádio e TV) primam pela qualidade, do contrário perdem a audiência e até a concessão pública para operar.
Convenhamos: aqui no Brasil, se querem continuar nos oferecendo o que não presta, pelo menos permitam que as pessoas possam também ter o direito de experimentar o outro lado da moeda (ou do disco?) – ou seja, a música de qualidade e de raiz. Não deixem que a nossa fantástica MPB morra pela nossa passividade e indiferença.
Presumo que até Deus seja também uma energia musical. Viva a MPB! Abaixo o estelionato musical.
Um comentário:
Nobre confrade e já amigo Paulo Fava,
A priori muit obrigado por ter publicado meu modesto artigo aqui no seu bem trabalhado e importante blog.
Folgo em saber que o camarada também compartilha com a minha crítica e preocupação em relação a nossa música contemporênea do Brasil.
Um forte abraço cultural,
Prof.José Cícero
Secretário de Cultura, Turismo e Desporto de Aurora-CE.
www.jcaurora.blospot.com
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